sábado, 25 de fevereiro de 2012

Inimigo

Ficar com pé atrás é nunca confiar. Como deve ser bom viver entre seres em que se pode confiar! Gasta-se menos energia com os inúmeros planos de contingência, pode-se respirar sem temer. Somos nós mesmos o nosso pior inimigo.

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Já está em tempo de escrever novamente, mas sobre o quê?

Quem desconfia, fica sábio” - João Guimarães Rosa

Será?

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Desconfio, logo...


Temia o erro. Não o erro sanável. Temia o erro fatal. O mal que começa miúdo e vai se agigantando dentro de nós. Temia o gosto pelo diabólico, pelo prazer de enganar e aparentar ser dona de si. Quanto mais pensava no que de ruim poderia acontecer, mais sentia falta de ar. Desconfiava de tudo, e, essa era sua prisão. Aprisionada dentro de seu próprio medo. No mundo, existiam milhares de pessoas com mais motivos para temer do que ela, mas ninguém sentia mais medo. Para ela, ninguém sofria mais que ela mesma.


Falava com Deus e pedia para que lhe afastassem os seus monstros, e ela esquecia durante um tempo...Porém, dali uns dias, lá estavam eles novamente, a mordendo. Quando não mais aguentava, rogava ajuda: Como, meu Deus?! Como faço para me livrar dessa armadilha construída por mim mesma, meu Deus?! E em sonho, ela era acalentada por algum estranho, uma pessoa que ela desconhecia, mas que parecia lembrar alguém.


Acordava bem, como há muito não acontecia. Estava feliz, esquecida de tudo. Até que um dia, a vida, mais uma vez, a oprimia. Seu coração apertava, sua desconfiança crescia. Vai dar algo errado, dizia. Falava em voz alta consigo mesma, era sozinha e não tinha com quem trocar resmungos, ficava tudo entre ela e ela mesma, naquela casa silenciosa como no fundo de um poço, no meio do nada. Nem pássaros cantavam por aquelas bandas. Qualquer dia teria um ataque do coração de tanta preocupação, pensava.


Aos poucos, sem perceber, ela criava a sua própria morte. Desconfiava da mulher da feira, do vendedor da farmácia. Já não comia ou tomava remédios. Sozinha, não tinha quem a fizesse enxergar as bobagens que pensava. Sozinha, começava até a desconfiar da água que bebia. Sozinha, foi dormir uma noite e, dali, não mais se levantou. Sua casca ficou ali, envenenada por sua própria mente.


O fundo do poço, séculos depois, seria o começo de uma nova caminhada, a primeira de inúmeras para praticar a fé.


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