sexta-feira, 30 de maio de 2014

Criemos

“(...) Trabalhava silenciosamente, recolhido, invisível e cheio de desprezo pelos pequenos, para os quais o trabalho era um enfeite sociável, os quais, fossem pobres ou ricos, se exibiam selvagens e rotos ou luxavam com gravatas pessoais, que em primeira linha intencionavam ser felizes, gentis e levar uma vida artística, desconhecendo que as boas obras só se formam sob a pressão de uma vida dura; que aquele que vive não trabalha e que é preciso ter morrido para ser um completo criador”. (pág.32)

MANN, Thomas. Tônio Kroger. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
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domingo, 18 de maio de 2014

Rodando o parafuso

Você disse o que os outros disseram, as mesmas palavras. E eu queria algo mais profundo, apesar de que vindas da sua boca, tiveram um peso maior. As palavras são as mesmas, o que muda é o sentimento por detrás delas. Por isso gosto de escavar, buscar novas formas de dizer a mesma coisa. Sim, devemos amar o que fazemos...mas que amor é esse que transpiramos quando em atividade? Que força sublime é essa que transborda do corpo, que chega a ter um efeito físico na ponta dos dedos, no coração, na mente, no corpo todo. O corpo formiga e está pleno. Porque o espírito está pleno, está em Deus. Não amamos a atividade em si (ainda), mas o seu fim; a sensação boa que se tem depois de um longo dia de trabalho, recebendo em troca a certeza de que o dever foi cumprido dentro do seu limite, dentro das suas possibilidades, tendo você dado o seu máximo. E ainda achar que deveria ter se doado mais. Essa é a roda do amor ao próximo, a nós mesmos e ao Pai.
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“Decorrido um instante, tive a magnífica certeza de que não me sentia aterrorizada. Compreendi, num assombro vigoroso de confiança, que, se permanecesse um minuto no lugar em que me achava, ele deixaria – pelo menos durante algum tempo – de infundir-me pavor; e, com efeito, durante esse minuto, aquilo foi tão humano e odioso como uma entrevista real: odioso justamente porque era humano, tão humano como a gente se encontrar a sós, a horas mortas numa casa adormecida, com um inimigo, um aventureiro ou um criminoso. Era o silêncio mortal de nosso longo olhar, de tão curta distância, que dava àquele horror, enorme, a sua única nota sobrenatural. Se eu, num tal lugar, houvesse deparado com um assassino, teria podido, ao menos falar-lhe. Na vida, alguma coisa teria ocorrido entre ambos; se não ocorresse, algum de nós teria feito um movimento, ao menos. O instante se prolongou a tal ponto que pouco faltou para que eu começasse a duvidar se estava viva ou não” (p.196)

JAMES, Henry. A outra volta do parafuso. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

sábado, 17 de maio de 2014

Boa noite

Depois de alguns minutos já estávamos à vontade. Ríamos das histórias um do outro, na expectativa de falar e ouvir. Você falou mais, eu também falei, quando você não queria mais se exibir. Quantas habilidades! Convencedor de primeira, ledor de expressões, um cavalheiro, que não há igual. Sou diferente dos outros. Sim, todos somos. E as perguntas inconvenientes (esperadas),  vontade assanhada de saber para jogar. Sejamos francos: sei mentir como ninguém, olha aí, mais uma habilidade. Detesto isso, busco aquilo. Mais do mesmo. Você fala inglês? Vamos conversar em inglês a partir de agora! Exibido. Sou um pouco de tudo: responsável quando precisa, gosto de jogar video-game, heróis e desenhos, mas nada em excesso. Já sei que você não é vaidosa. Nós, homens, sempre temos expectativas, se é que você me entende. Entendido. Consigo falar com até três pessoas ao mesmo tempo. Eu não, tenho que prestar atenção, e se você fala eu paro e escuto. Não come carne? Eu pensei em ser vegetariano, mas durou apenas seis horas. Leviano. Conscienciosa? Ganhou pontos. Eu sei que você está pensando em outra coisa quando olha pro lado ou mexe no garfo. Análise sem fim! O que estávamos falando mesmo? Tenho duas perguntas: podemos ir e podemos nos ver de novo? Não sei. Essa é a pior resposta que você pode me dar. Caminhamos. E na despedida: e agora nos deixamos. Você tão próximo que nem vejo seu rosto na escuridão da noite. Você escolhe: ou eu vou ou eu fico. Ocupamos praticamente o mesmo espaço. Beijo. Beijo mais longo...posso te ligar? Careta. Posso mandar mensagem? Pode. Conquistou? Ganhou o que queria na iniciativa.
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Se Otto diz, então é: sou transparente.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Lady Barberina

“ - Pode dizer tudo que queira a meu pai, mas não quero ouvir mais coisa alguma. Você falou muito, considerando-se o muito pouco que me deu a entender, antes.
- É que estive observando-a – confessou Jackson Lemon.
Lady Barberina ergueu mais ainda a cabeça e fitou-o nos olhos. Disse, depois, com seriedade:
- Não gosto de ser observada.
- Não devia então ser tão bonita.” (pág.44)

“ - Não sei como poderia haver plebeus onde não há lordes. São os lordes que fazem os plebeus , e vice-versa.” (pág.75)

JAMES, Henry. Lady Barberina. São Paulo: Abril Cultural, 1980.


quarta-feira, 7 de maio de 2014

Onipresente

Em terreno inexplorado, tateamos. Nunca nos cumprimentamos antes, nunca pausamos a voz apenas para apreciar o rosto um do outro, mudando...com a expectativa de nos tocarmos com as palavras, com os olhos. As palavras são inúteis quando elas encobrem o que morre dentro de nós. Fingimos que não somos importantes um para o outro, levamos a vida nos evitando porque amor tão grande é tão difícil de vivenciar. Seu rosto é luz, o que dificulta o reconhecimento. Você, anônimo, personificado nos corpos que passam por mim, e nem me notam. Eu noto vocês que são um. Eu noto e sinto, toda só. Encontro no invisível respostas que desconheço, sinto a compreensão sem o raciocínio. Sinto seu abraço sem corpo. Amo pensar em você, apesar de desconversar quando você se faz presente. Onipresente. Em terreno inexplorado, tateamos. E tentamos acertar mais do que errar.

sábado, 3 de maio de 2014

Reencontro

Sobre o teatro...é engraçado quando se diz que a vida imita a arte ou vice-versa. A arte parece ser a vida em profundidade, a vida em câmera lenta. Quando vejo uma peça de teatro é tudo tão intenso...e na vida...não temos direito a ensaios na vida. Temos que pensar antes de qualquer coisa para não nos arruinar e na arte...na arte tudo pode – percorremos de um extremo a outro, misérias, reflexões, estupidez e exageros. Teatro é mais que vida. È dar atenção aos mínimos detalhes, cada gesto, cada tom de voz, cada emoção que transborda do ator para a plateia. E na vida...nem todo mundo sabe o seu papel, ou as suas falas...o que por outro lado, tem a sua beleza...não saber o que falar, respirar descompassadamente, dar o silêncio quando nada se tem a dizer. Ou falar a primeira palavra que lhe vem à mente, mesmo que não tenha nada a ver com o contexto. Sinto falta...sinto falta de conexão com o outro e o mundo, essa intensidade que é vivenciar àquela energia.