domingo, 18 de maio de 2014

Rodando o parafuso

Você disse o que os outros disseram, as mesmas palavras. E eu queria algo mais profundo, apesar de que vindas da sua boca, tiveram um peso maior. As palavras são as mesmas, o que muda é o sentimento por detrás delas. Por isso gosto de escavar, buscar novas formas de dizer a mesma coisa. Sim, devemos amar o que fazemos...mas que amor é esse que transpiramos quando em atividade? Que força sublime é essa que transborda do corpo, que chega a ter um efeito físico na ponta dos dedos, no coração, na mente, no corpo todo. O corpo formiga e está pleno. Porque o espírito está pleno, está em Deus. Não amamos a atividade em si (ainda), mas o seu fim; a sensação boa que se tem depois de um longo dia de trabalho, recebendo em troca a certeza de que o dever foi cumprido dentro do seu limite, dentro das suas possibilidades, tendo você dado o seu máximo. E ainda achar que deveria ter se doado mais. Essa é a roda do amor ao próximo, a nós mesmos e ao Pai.
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“Decorrido um instante, tive a magnífica certeza de que não me sentia aterrorizada. Compreendi, num assombro vigoroso de confiança, que, se permanecesse um minuto no lugar em que me achava, ele deixaria – pelo menos durante algum tempo – de infundir-me pavor; e, com efeito, durante esse minuto, aquilo foi tão humano e odioso como uma entrevista real: odioso justamente porque era humano, tão humano como a gente se encontrar a sós, a horas mortas numa casa adormecida, com um inimigo, um aventureiro ou um criminoso. Era o silêncio mortal de nosso longo olhar, de tão curta distância, que dava àquele horror, enorme, a sua única nota sobrenatural. Se eu, num tal lugar, houvesse deparado com um assassino, teria podido, ao menos falar-lhe. Na vida, alguma coisa teria ocorrido entre ambos; se não ocorresse, algum de nós teria feito um movimento, ao menos. O instante se prolongou a tal ponto que pouco faltou para que eu começasse a duvidar se estava viva ou não” (p.196)

JAMES, Henry. A outra volta do parafuso. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

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