segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ponto a favor

“A noite caia do lado de fora; era o o segundo consultório do dia que abrigava a sua espera. Não que pudesse reclamar, o ambiente fazia-se agradável, o clima, o silêncio, o isolamento eram bem-vindos. A televisão emitia lá os seus sons, mas o livro a consumia, nada a incomodava, tão absorta estava! Alguém chegou à porta, nem isso parecia abalar os seus olhos que comiam as palavras. Após, então, algumas páginas, sua atenção parecia começar a dar sinais de cansaço. Levantou os olhos, olhou em volta, seu braço esquerdo latejava, seus ombros eram carne endurecida. Olhou em volta, novamente, a procura de uma distração para dor, dando tempo ao seu corpo, torcendo pela sua recuperação, que volte a concentração! Pousou os olhos em dois quadros, um pouco longe, descansava o cérebro. A dor gritava. Abriu o livro, novamente, um pouco impaciente. Segurava as páginas com as duas mãos, postas, carinhosamente, quase que encorajando as palavras a tomarem vida. Mirava como a um filho que brinca distraidamente. E veio um inseto todo elétrico, acariciar as páginas, veio ver o que era aquele sólido que servia de pista de pouso. Sorriu – não ele, mas ela. Ao invés de espantá-lo como de costume, lembrou de Deus, depositou o carinho que tinha pelo livro no inseto, fez um gesto que poderia ser um abraço, um tapinha nas costas. Apreciou a felicidade que experimentava, nada doía, como se nem corpo tivesse – plainava”.

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Conversa de metrô...

Posso perguntar que livro é esse?

Contraponto.

Muito boa escolha!

Obrigada!

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Rampion fez com a cabeça um gesto de assentimento.

– Ela é de fato admirável. Corajosa, forte e perseverante. Mas é resignada demais.

– Mas essa me pareceu justamente uma de suas qualidades dignas de admiração!

– Ela não tem o direito de ser resignada – respondeu Mark, franzindo a testa. Não tem direito. Quando a gente tem uma vida como a dela não deve ser resignada. Deve antes ser revoltada. É essa maldita religião. Eu lhe disse que ela era religiosa?

– Não; mas eu adivinhei quando a vi...

– É uma bárbara da alma – continuou Rampion. - Só pensa na alma e no futuro. Para ela não há presente, nem passado, nem corpo, nem intelecto. Só a alma e o futuro e, por enquanto, a resignação. Haverá coisa mais bárbara do que isso? Ela devia rebelar-se.

– Deixemos que sua mãe fique como é. Será mais feliz assim. O senhor pode se revoltar pelos dois...

Rampion riu.” (pág.124)

HUXLEY, Aldous. Contraponto. Ed. Globo S.A., 1975.


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