segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Casa da Ciência – O Corpo (2007)

Palestra ministrada em 04 de agosto de 2012.

Gostaria de começar apontando que o filme me surpreendeu. Ainda bem que o Gabriel nos avisou que haveriam cenas fortes. Ufa. Já fiquei preparada. Gostei do tema, de questões e paralelos que a Maria Rita fez. “O Corpo” é o tipo de filme que se descobre novas relações a cada vez que se assiste.

Ela começou relacionando o tema do filme com a nossa história, com o passado e a atualidade. Falou do esquecimento, da indiferença, da mortalidade que continua depois da ditadura. Referenciou logo o livro de ensaios “O que resta de ditadura” com o texto escrito pelo Paulo Arantes, “1964, o ano que não terminou” e nos questionou, o que herdamos? A Maria Rita frisou que somos o único país que não puniu quem matou na ditadura e que temos mais mortandade hoje do que naquela época.

Ela trouxe a tona a barbariedade de maio de 2006, em que ocorreram atos de violência em São Paulo causando inúmeras mortes. O grupo civil “Mães de Maio” acompanha as investigações e exige respostas ainda hoje.

Refletindo sobre o filme, ela afirmou que Laura, a chefe de Artur estava mais morta do que o protagonista; e como os mortos anônimos são tratados como algo banal. Artur começa a viver quando começa a se preocupar com algo. Artur como uma figura quixotesca.Teresa representa a geração que não quer saber de nada e a seguinte. Fernanda histérica, não quer reconhecer o que já sabe. Ela é a falsa boba, podendo o espectador perceber a mudança no seu comportamento quando se dá conta.

Fernanda transgride (rouba) e representa a morte da mãe. Fernanda ainda tem a sua história roubada, como os casos na Argentina, de crianças que eram dadas para a adoção na época da ditadura. Seguriu que víssemos “O dia em que não nasci”, filme argentino e alemão.

Com um discurso em tom de crítica, difícil não assumir esse lugar quando se fala de algo tão revoltante, relembrou o Shibata que assinava os atestados de suicídio de torturados da ditadura, prática que continua nos dias de hoje. Um país inteiro silenciado.

Falou ainda do policeticismo pragmático herdado dessa época, da sociedade que não quer nomear seus mortos. Diagnóstico de melancolia de Walter Benjamin, indolência do coração, rompendo com a sua história. Sintoma social. Trair a sua origem, a sua causa. Mencionou, também, o estado de depressão, aquele que trai o seu desejo (Lacan).

Durante as perguntas, surgiu a questão sobre se vivíamos uma ditadura nos dias de hoje. A Maria Rita Kelh fez questão de dizer que não vivemos uma ditadura, se assim fosse, ela não poderia estar ali falando aquelas coisas. Viveríamos com medo de falar.

Foi suscitado ainda se a juventude de hoje não vivia a política do querer “se dar bem”, passando em concurso público para ganhar em cima do Estado; e a Maria Rita bem frisou que isso é bem mais antigo, estando presente nos textos de Machado de Assis.

O totalitarismo é resultado da tentativa de implementar a utopia, e ela sugeriu o amadurecimento da ideologia pela prática. Ressaltou ainda que vivemos o período democrático mais longo, desde 1988. Apontou, também, para a despolitização da sociedade, ou seja, não se sabe de onde a opressão vem.

Já fazia um tempo que eu não me empolgava com uma palestra dessa forma, saindo com vontade de ler textos e aprofundar estudos ;)

Palestrante Maria Rita Kelh doutora em Psicanálise pela PUC-SP, escritora e integrante da Comissão da Verdade.

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