“- Os
homens são todos diferentes uns dos outros, Constantino
Dmítrievitch. Uns só vivem para as necessidades, como por exemplo,
o Kirílov, que só pensa na barriga. O tio Platon é um homem justo.
Vive para a sua alma. Não se esquece de Deus.
- O que
ele faz para não se esquecer de Deus? Como é que ele vive para a
sua alma? - exclamou Liêvin quase num grito.
- É
claro, vive como Deus manda, é justo. As pessoas não são todas
iguais. Por exemplo, o patrão não é capaz de fazer mal a
ninguém...
(…) Ao
ouvir dizer que Platon vivia para a sua alma, segundo a verdade, como
Deus manda, pensamentos vagos, mas significativos, acudiram-lhe à
mente, em tropel, como se proviessem de algum ponto onde estivessem
estado encerrados, e, tendendo todos para um mesmo fim, deram-lhe
volta à cabeça, cegaram-no com a sua luz”(pág.327)
“'Que
teria sido de mim, que teria sido de minha vida, se não fossem essas
crenças, se não soubesse que é preciso viver para Deus e não para
as minhas necessidades? Teria roubado, teria matado, teria mentido.
Nenhuma das principais alegrias da minha vida teria podido existir
para mim.' E por mais esforços mentais que fizesse, não conseguia
ver-se a si próprio o ser bestial que teria sido, caso não soubesse
para que vivia.
'Buscava
resposta à minha pergunta. Mas o pensamento não me podia responder,
pois o pensamento não pode medir-se com a pergunta. A própria vida
se encarregou de me responder graças ao conhecimento do bem e do
mal. E esse conenhcimento não o adquiri através de coisa alguma,
foi-me outorgado, como a todos os demais, visto que o não
pude encontrar em parte nenhuma.
'De onde
o soube? Porventura foi através do raciocínio que eu cheguei à
conclusão de que é preciso amar o próximo e não lhe fazer mal?
Disseram-mo na infância e acreditei-o com alegria, pois trazia-o na
alma. E que o o descobriu? A razão, não. A razão descobriu a luta
pela existência e a lei, que exige que se eliminem todos quantos nos
impedem de satisfazer os nossos desejos. Esta a dedução do
raciocínio, que não pode descobrir que se deve amar o próximo, por
amar o próximo não é razoável'” (pág.330)
TOLSTOÍ, Leon. Ana Karênina Vol.2. São Paulo: Abril Cultural,
1979.