Eu disse
“sim, vamos”, com a certeza de que o encontro iria celebrar o
afastamento, ou melhor, a celebração seria pelo fim do afastamento.
No entanto, estava mais só em companhia do que quando realmente só
estava. Crescemos tanto para um lado e para o outro assim como a
distância entre nós. A vida adulta de um lado, e a adolescente do
outro. Um encontro para ouvir as últimas estripolias cômicas, para
perceber um lapso no tempo: você vive o que já deveria ser passado.
A vida adulta é de responsabilidades, e ouço apenas você se gabar
de triunfos sociais. Qual o valor de risadas que abafam a fuga de si
mesmo? Minha felicidade aflorou com o baião, e morreu quando ficou
clara a distância entre os dois propósitos de vida. A felicidade
esvaiu-se, mas não foi assim sem poesia, porque o trágico era estar
em companhia mas só, totalmente só. E o trágico é belo, tem um
encantamento todo especial, difícil de explicar. O trágico nos faz
sentir, nos faz mudar de vida. É um marco, o início de uma nova
caminhada, decisão abraçada porque não há outra – e, assim,
despertamos. Superamos a ilusão e nos aproximamos um pouco mais de
nós mesmos, da nossa essência, que é a felicidade.
quinta-feira, 5 de junho de 2014
sexta-feira, 30 de maio de 2014
Criemos
“(...)
Trabalhava silenciosamente, recolhido, invisível e cheio de desprezo
pelos pequenos, para os quais o trabalho era um enfeite sociável, os
quais, fossem pobres ou ricos, se exibiam selvagens e rotos ou
luxavam com gravatas pessoais, que em primeira linha intencionavam
ser felizes, gentis e levar uma vida artística, desconhecendo que as
boas obras só se formam sob a pressão de uma vida dura; que aquele
que vive não trabalha e que é preciso ter morrido para ser um
completo criador”. (pág.32)
MANN,
Thomas. Tônio Kroger. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
.
.
domingo, 18 de maio de 2014
Rodando o parafuso
Você
disse o que os outros disseram, as mesmas palavras. E eu queria algo
mais profundo, apesar de que vindas da sua boca, tiveram um peso
maior. As palavras são as mesmas, o que muda é o sentimento por
detrás delas. Por isso gosto de escavar, buscar novas formas de
dizer a mesma coisa. Sim, devemos amar o que fazemos...mas que amor é
esse que transpiramos quando em atividade? Que força sublime é essa
que transborda do corpo, que chega a ter um efeito físico na ponta
dos dedos, no coração, na mente, no corpo todo. O corpo formiga e
está pleno. Porque o espírito está pleno, está em Deus. Não
amamos a atividade em si (ainda), mas o seu fim; a sensação boa que
se tem depois de um longo dia de trabalho, recebendo em troca a
certeza de que o dever foi cumprido dentro do seu limite, dentro das
suas possibilidades, tendo você dado o seu máximo. E ainda achar
que deveria ter se doado mais. Essa é a roda do amor ao próximo, a
nós mesmos e ao Pai.
.
.
“Decorrido
um instante, tive a magnífica certeza de que não me sentia
aterrorizada. Compreendi, num assombro vigoroso de confiança, que, se
permanecesse um minuto no lugar em que me achava, ele deixaria –
pelo menos durante algum tempo – de infundir-me pavor; e, com
efeito, durante esse minuto, aquilo foi tão humano e odioso como uma
entrevista real: odioso justamente porque era humano, tão humano
como a gente se encontrar a sós, a horas mortas numa casa
adormecida, com um inimigo, um aventureiro ou um criminoso. Era o
silêncio mortal de nosso longo olhar, de tão curta distância, que
dava àquele horror, enorme, a sua única nota sobrenatural. Se eu,
num tal lugar, houvesse deparado com um assassino, teria podido, ao
menos falar-lhe. Na vida, alguma coisa teria ocorrido entre ambos;
se não ocorresse, algum de nós teria feito um movimento, ao menos.
O instante se prolongou a tal ponto que pouco faltou para que eu
começasse a duvidar se estava viva ou não” (p.196)
JAMES,
Henry. A outra volta do parafuso. São
Paulo: Abril Cultural, 1980.
sábado, 17 de maio de 2014
Boa noite
Depois de
alguns minutos já estávamos à vontade. Ríamos das histórias um
do outro, na expectativa de falar e ouvir. Você falou mais, eu
também falei, quando você não queria mais se exibir. Quantas
habilidades! Convencedor de primeira, ledor de expressões, um
cavalheiro, que não há igual. Sou diferente dos outros. Sim, todos
somos. E as perguntas inconvenientes (esperadas), vontade assanhada de saber para
jogar. Sejamos francos: sei mentir como ninguém, olha aí, mais uma
habilidade. Detesto isso, busco aquilo. Mais do mesmo. Você fala
inglês? Vamos conversar em inglês a partir de agora! Exibido. Sou
um pouco de tudo: responsável quando precisa, gosto de jogar
video-game, heróis e desenhos, mas nada em excesso. Já sei que você
não é vaidosa. Nós, homens, sempre temos expectativas, se é que
você me entende. Entendido. Consigo falar com até três pessoas ao
mesmo tempo. Eu não, tenho que prestar atenção, e se você fala eu
paro e escuto. Não come carne? Eu pensei em ser vegetariano, mas
durou apenas seis horas. Leviano. Conscienciosa? Ganhou pontos. Eu sei
que você está pensando em outra coisa quando olha pro lado ou mexe
no garfo. Análise sem fim! O que estávamos falando mesmo? Tenho
duas perguntas: podemos ir e podemos nos ver de novo? Não sei. Essa
é a pior resposta que você pode me dar. Caminhamos. E na despedida:
e agora nos deixamos. Você tão próximo que nem vejo seu rosto na
escuridão da noite. Você escolhe: ou eu vou ou eu fico. Ocupamos
praticamente o mesmo espaço. Beijo. Beijo mais longo...posso te
ligar? Careta. Posso mandar mensagem? Pode. Conquistou? Ganhou o que
queria na iniciativa.
.
.
Se Otto
diz, então é: sou transparente.
sexta-feira, 9 de maio de 2014
Lady Barberina
“ -
Pode dizer tudo que queira a meu pai, mas não quero ouvir mais coisa
alguma. Você falou muito, considerando-se o muito pouco que me deu a
entender, antes.
- É
que estive observando-a – confessou Jackson Lemon.
Lady Barberina ergueu mais ainda a cabeça e fitou-o nos olhos. Disse,
depois, com seriedade:
- Não
gosto de ser observada.
- Não
devia então ser tão bonita.” (pág.44)
“ - Não
sei como poderia haver plebeus onde não há lordes. São os lordes
que fazem os plebeus , e vice-versa.” (pág.75)
JAMES,
Henry. Lady Barberina. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
quarta-feira, 7 de maio de 2014
Onipresente
Em
terreno inexplorado, tateamos. Nunca nos cumprimentamos antes, nunca
pausamos a voz apenas para apreciar o rosto um do outro,
mudando...com a expectativa de nos tocarmos com as palavras, com os
olhos. As palavras são inúteis quando elas encobrem o que morre
dentro de nós. Fingimos que não somos importantes um para o outro,
levamos a vida nos evitando porque amor tão grande é tão difícil
de vivenciar. Seu rosto é luz, o que dificulta o reconhecimento.
Você, anônimo, personificado nos corpos que passam por mim, e nem
me notam. Eu noto vocês que são um. Eu noto e sinto, toda só.
Encontro no invisível respostas que desconheço, sinto a compreensão
sem o raciocínio. Sinto seu abraço sem corpo. Amo pensar em você,
apesar de desconversar quando você se faz presente. Onipresente. Em
terreno inexplorado, tateamos. E tentamos acertar mais do que errar.
sábado, 3 de maio de 2014
Reencontro
Sobre o
teatro...é engraçado quando se diz que a vida imita a arte ou
vice-versa. A arte parece ser a vida em profundidade, a vida em
câmera lenta. Quando vejo uma peça de teatro é tudo tão
intenso...e na vida...não temos direito a ensaios na vida. Temos que
pensar antes de qualquer coisa para não nos arruinar e na arte...na
arte tudo pode – percorremos de um extremo a outro, misérias,
reflexões, estupidez e exageros. Teatro é mais que vida. È dar
atenção aos mínimos detalhes, cada gesto, cada tom de voz, cada
emoção que transborda do ator para a plateia. E na vida...nem todo
mundo sabe o seu papel, ou as suas falas...o que por outro lado, tem
a sua beleza...não saber o que falar, respirar descompassadamente,
dar o silêncio quando nada se tem a dizer. Ou falar a primeira
palavra que lhe vem à mente, mesmo que não tenha nada a ver com o
contexto. Sinto falta...sinto falta de conexão com o outro e o
mundo, essa intensidade que é vivenciar àquela energia.
Assinar:
Postagens (Atom)