Que efeito é esse que você tem sobre mim? De me fazer querer estar
aonde quer que você esteja; de dizer sim para todos os seus desejos?
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o.O A crítica inteira do Castello me acertou em cheio. Como é
possível chegar a esse êxtase só de ler palavras?!
"(…) Tal me parece ser o projeto do poeta Eucanaã Ferraz em
'Sentimental' (Companhia das Letras). Está em um poema como
'Romântica': preferimos tomar a vida como um filme. 'Quantos de nós
quereriam viver não a vida/ mas o filme , quando a vida não é
vida/ e não se morre na morte...' ele constata. Quantos de nós
preferimos 'viver sem viver': sob as ordens de um destino previamente
escrito (script), entre bandos 'que matam sem matar', entre 'bravos
que no fim se vingam'. Uma vida sem vida.
Preferimos, sim, os sentimentos fáceis. Aqueles que em vez de
libertar, funcionam como travas, que seguram o que preferimos não
sentir. Sentimentos prontos: tão mais fáceis. Em outro poema, 'Les
ramanciers étrangres', uma mulher implora por um beijo, mas o homem
nega. 'Firme e frio, disse que não'. Ela se pergunta: 'Mas como ele
conseguia/ ser assim instransponível?' Aos seus olhos, o homem é
uma pedra. Só no fim, 'ela entende/ que tudo foi bem pior:/ porque a
pedra não era ele,/ porque a pedra era ela mesma.' Apesar das
lágrimas, pedra. 'Sim, ela era a pedra dele/ em que ele a
transformara'. Sentimento nem sempre estão onde julgamos. Uma
lágrima – o poeta segure – pode ser insensível. Um 'não',
guarda muito mais calor.”
CASTELLO, José. A trava dos sentimentos. In: Prosa e Verso, O Globo,
24 de novembro de 2012.
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“Custou-lhe encontrar o equilíbrio. Queria demonstrar a Kitty a
sua injustiça, mas, ao provar-lhe que era ela quem estava em erro,
irritá-la-ia ainda mais. Um sentimento natural o compelia a arredar
de si próprio a culpa, atribuindo-a a ela, e outro, mais forte
ainda, a reparar o sucedido o mais breve possível para não se
agravar o desacordo. Se ser vítima de uma injustiça era cruel,
irritá-la com o pretexto de uma justificação, pior ainda. Muitas
vezes acontece lutar um homem que dorme com um sofrimento de que
desejaria libertar-se, verificando, ao acordar, que é no fundo dele
próprio que o sofrimento reside. Eis como Liêvin teve de reconhecer
que o melhor remédio era a paciência.” (pág.47)
TOLSTOÍ, Leon. Ana Karênina Vol.2. São Paulo: Abril Cultural,
1979.
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