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Agora, aquele mesmo em cujas mãos repousa a sorte de muitos e a quem
súplica nenhuma conseguiria abrandar, esse mesmo curva-se diante
dos senhores, com um pedido. Tudo será esquecido, apagado, perdoado;
eu mesmo, em pessoa, intercederei por todos, se atenderem ao meu
pedido. Eis o meu pedido: eu sei que não existem meios, intimidações
ou castigos que possam erradicar a corrupção: ela já está muito
enraizada. A desonrosa prática de receber propinas tornou-se
necessidade – indispensável até a homens que não nasceram para
ser desonestos. Bem sei que já é quase impossível a muitos remar
contra a corrente geral. Mas agora eu sou obrigado, como num momento
sagrado e decisivo, quando está em jogo o destino da pátria, quando
para salvá-la todo cidadão oferece tudo e sacrifica tudo – eu sou
obrigado a lançar meu apelo ao menos àqueles que ainda guardam no
peito um coração russo e que ainda compreendem, um pouco que seja,
o sentido da palavra “nobreza de alma”. Não vale a pena indagar
quem aqui é mais culpado que o outro. Quem sabe, sou eu o mais
culpado de todos. Talvez eu os tenha recebido com demasiada
severidade, logo no começo; afastei, talvez, com a minha
desconfiança excessiva, aquels dentre os senhores que tinham a
intenção sincera de me serem úteis – embora pela minha parte eu
também podesse reprová-los: se realmente eles tinham amor à
justiça e queriam o bem de sua terra natal, não deveriam ter ficado
melindrados com a arrogância dos meus modos; deveriam ter sufocado o
seu amor-próprio e sacrificado suas sucetibilidades. Teria sido
impossível que eu não tivesse chegado perceber sua dedicação
abnegada e seu nobre amor à verdade, e não tivesse acabado por
aceitar seus conselhos úteis e sensatos. (…) O problema que se nos
defronta agora é que chegou a hora de salvarmos a nossa pátria. Que
a nossa pátria está perecendo, não pela invasão de vinte tribos
estrangeiras, mas por nossas próprias mãoes. Que já se formou, ao
lado do governo legítimo, um outro governo, muito forte que o
governo legal. Estabeleceram-se condições próprias, tudo tem preço
marcado, e os preços já foram até levados ao conhecimento público.
E estadista algum, embora seja o mais sábio de todos os legisladores
e governantes, tem forças suficientes para remediar o mal, por mais
que tente limitar a ação nefasta dos maus funcionários, nomeando
para vigiá-los outros funcionários. Tudo será inútilenquanto cada
um de nós nãp sentir que, assim como na época da revolta dos povos
ele se armou contra os inimigos, assim ele deve armar-se e
levantar-se contra a corrupção e a falsidade. É como homem russo,
como irmão, ligado aos senhores pelos laços indissolúveis do
sangue, que eu me dirijo agora a todos. Dirijo-me àqueles sentre os
presentes que têm algum resquício de compreensão do que seja
nobreza de ideias. Convido-os todos a se lembrarm do dever, que é o
destino do homem, onde quer que ele se encontre. Convido-os a
examinarem mais de perto o seu dever e a obrigação do seu cargo na
terra, porque isto já se nos afigura de maneira distante e obscura,
e mal-e-mal*...” (pág.445)
* Aqui o
manuscrito se interrompe. (N. do T.)
GÓGOL, Nikolai. Almas Mortas. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
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“Em
1842, publicou Almas Mortas, romance no qual trabalhou durante mais
de quinze anos. A partir de 1842 viveu como andarilho, deprimido por
grave crise religiosa. Em 1852 queimou o segundo volume de Almas
Mortas e se abandonou à morte por inanição”.
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