ELENA
(atirando-se sobre ele)
Não é
assim que se diz...é preciso dizer com mais simplicidade...Quero
ajudar você, menino...Mas por que é que você complica as coisas
mais simples?
PIOTR
É, você
tem razão...eu sou uma pessoa fraca. E essa vida está acima das
minhas forças. Eu sinto a vulgaridade das coisas, mas eu não tenho
forças para poder mudar nada, pra criar alguma coisa de novo...eu
quero ir embora, ficar só... (págs.158 e 159)
TETERIEV
Não...hoje
eu não fui...A cabeça está arrebentando de dor...E você está se
sentindo melhor hoje?
TATIANA
Bem,
obrigada. Hoje já me perguntaram isso umas vinte vezes...Eu me
sentiria melhor se não houvesse tanto barulho aqui em casa...Essa
correria me irrita...Todos correm, gritam...O pai está furioso com o
Nil...Mamãe passa o dia inteiro suspirando...e eu, deitada, assisto
a isso tudo...e não vejo nenhum sentido nisso que vocês chamam de
vida. (pág.175)
NIL
Quando a
gente rejeita a única migalha de pão, pela simples razão de que
quem deu é canalha...
PIOTR
É porque
não está com tanta fome assim...Eu sei que você vai discordar,
você é como ele...também é um pouco criança...A cada minuto você
procura mostrar ao meu pai que não tem por ele o mínimo
respeito...Por quê?
NIL
E por que
é que eu devia fingir?
TETERIEV
A
decência exige que os homens mintam...
PIOTR
Mas que
sentido tem isso? Que sentido? (pág.181)
NIL
Eu vou
obrigar a vida a me responder como eu quero. Não adianta tentar me
fazer ter medo. Eu estou mais perto da vida que você! E sei, muito
mais que você, que a vida é dura, que às vezes é repugnante, má.
E que uma força desenfreada oprime o homem. Eu sei, e isso me deixa
indignado. Mas essa ordem eu não aceito! Eu sei que a vida é uma
coisa séria, mas ainda não está bem organizada. Para ajudar a
organizá-la eu vou ter que dar toda a minha força, toda a minha
juventude. Também sei que não sou nenhum herói, mas simplesmente
um homem! E digo mesmo: não me importa, nós é que vamos vencer! E
como todas as minhas forças, eu vou me colocar na própria espessura
da vida. Tratar de moldá-la, atrapalhando uns e ajudando
outros...Isso é a alegria de viver! (pág.185)
TETERIEV
Não, eu
também estou alegre. Só que eu me divirto em silêncio, e me
abarreço em voz alta...(pág. 186)
ELENA
Eu sei
também que existe a casualidade “a priori” e “a posteriori”.
Mas o que isso quer dizer, eu me esqueci. Ah! Se toda essa sebedoria
não me deixar careca, eu vou ficar muito inteligente. Mas o ponto
mais curioso de toda essa filosofia é o seguinte: por que você,
Terênti Krisanfovitch, me fala em filosofia?
TETERIEV
Primeiramente,
porque me é muito agradável olhar para senhora...
ELENA
Obrigada!
O segundamente já não tem mais interesse para mim...
TETERIEV
Em
segundo lugar, porque somente filosofando o homem não mente, pois
nesta ocupação, tão gloriosa como benemérita, o homem não faz
senão inventar...(págs. 187 e 188)
TATIANA
É
preciso evar em consideração que ele está velho. Não tem culpa de
haver nascido antes de nós, nem de pensar de maneira diferente da
nossa. (Irritando-se) Mas como há maldade no mundo!...Como ninguém
tem piedade!...Só grosseria, grosseria...Nos ensinam a amar uns aos
outros...
NIL (no
mesmo tom)
E montam
em cima da gente pro resto da vida. (Elena ri às gargalhadas. Pólia
e Teterieb sorriem. Piotr vai dizer alguma coisa a Nil, e se aproxima
deles. Tatiana balança a cabeça, em reprovação silenciosa.)
(pág.192)
BESSEMENOV
(com mais tranquilidade, contendo-se)
Vá
embora, Nil, antes que seja tarde. Vá embora! Você foi alimentado
por mim, educado por mim...
NIL
Não me
jogue na cara um pedaço de pão...Já devolvi com o meu trabalho
tudo o que eu comi aqui!
BESSEMENOV
Foi minha
alma que você comeu! (pág.200)
GORKI, Máximo. Pequenos burgueses. São Paulo: Abril Cultural, 1979.