quarta-feira, 6 de maio de 2009

Conto inspirado

no estilo literário do argentino CORTÁZAR, Julio. A produção do cara é genial, a minha, parece mais um atentado.

Abismo

Eram cinco amigos, mas nem todos eles se entendiam, como acontece em todo e qualquer lugar. Nada de especial e diferente havia nesse grupo, eles saiam nos fins de semana e se falavam com freqüência. E como em um dia normal, um deles acordou atrasado para o compromisso marcado, nem percebeu, ao se olhar no espelho, que havia algo diferente com a sua boca.

O segundo amigo, o observador, percebeu que seus óculos pareciam não estar funcionando e que talvez o seu grau tivesse aumentado; não da noite para o dia, mas só agora se fazia perceber. Além de embaçado, ele não conseguia abrir seus olhos totalmente. Pensou duas vezes antes de sair, mas como não sentia nenhum outro sintoma, jogou uma água no rosto e saiu.

O terceiro amigo, depois de tomar café da manhã, foi limpar seus ouvidos, depois que não parecia ouvir bem a televisão, mesmo no volume máximo. Pensou que talvez o problema fosse com os auto-falantes desta e resolveu, então, fazer um teste, mas com o quê? Falou qualquer coisa em voz alta, e ouviu somente uma voz ao longe. Antes de ir ver um médico, iria ver seus amigos, pois já tinham um compromisso marcado.

O quarto amigo, não percebeu a alta temperatura da água que fervia na panela, os respingos o molharam, mas nada sentiu, só viu umas manchas avermelhadas no seu braço, achou curioso e saiu para encontrar seus amigos na esquina combinada.

O quinto e último amigo era do tipo que tinha constantes altos e baixos em sua vida, e geralmente os seus amigos o apoiavam na tristeza principalmente. Naquele dia, ele tinha acordado particularmente bem, talvez porque não sentisse o cheiro de mofo característico de sua casa e que tanto o irritava.

Mal sabiam eles que depois daquele dia, eles não mais se encontrariam, cada qual com seu excesso perdeu a condição de se comunicar. O segundo não enxergava os problemas dos outros, o terceiro não escutava o que ocorria com os outros, o quarto não sentia a angústia dos outros, o quinto estava achando tudo ótimo porque não sentia cheiros ruins e por isso não percebia a aflição dos outros e o primeiro, não podia mais ser extravagante com as palavras e com seu tom, sem saber como demonstrar o que acontecia sem poder fazer uso do instrumento que mais dominava.

Tornaram-se corpos subtraídos, com seus sentidos atrofiados, um abismo criado por cada um, um abismo que marcou suas vidas, a partir daquele dia, até quando não mais sabiam quem eram.

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