Minha
vida era pequena e cabia nos dias de um calendário...até que ela passou a ser
tão grande que deixou de ser importante anotar o que eu fazia de
diferente...todo dia algo novo acontecia – e se perdia no dinamismo do cotidiano.
Nunca saí tanto em minha vida, esta que ganhou novo sentido, diferente de
apontamentos em um pedaço de papel. Vivo a vida sem contar os dias que passam
ou os dias que virão. Vivo o presente. Viva o agora.
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“Para
o povo do mar os trabalhos não se levantam do chão, para o povo do mar os
trabalhos caem do céu, chamam-se vento e ventania, e é por causa deles que se
erguem as ondas e as vagas, se geram as tempestades, se rompe a vela, se quebra
o mastro, se afunda o frágil lenho, e estes homens da pesca e da navegação onde
morrem, verdadeiramente, é entre o céu e a terra, o céu que as mãos não
alcançam, o chão a que os pés não chegam.”(p.277)
(...)
“Tudo isso farás, perguntou Jesus a Pastor, Mais ou menos, respondeu ele,
limitei-me a tomar para mim aquilo que Deus não quis, a carne, com a sua
alegria e a sua tristeza, a juventude e a sua velhice, a frescura e a podridão,
mas não é verdade que o medo seja uma arma minha, não me lembro de ter sido eu
quem inventou o pecado e o seu castigo, e o medo que neles há sempre, Cala-te,
interrompeu Deus, impaciente, o pecado e o Diabo são os dois nomes duma mesma
coisa, Que coisa, perguntou Jesus, A ausência de mim, E a ausência de ti, a que
se deve, a teres-te retirado tu ou a terem-se retirado de ti, Eu não me retiro
nunca, Mas consentes que te deixem, Quem me deixa, procura-me, E se não te
encontra, a culpa, já se sabe, é do Diabo, Não, disso não é ele culpado, a
culpa tenho-a eu, que não alcanço a chegar onde me buscam, estas palavras
proferiu-as Deus com uma pungente e
inesperada tristeza, como se de repente tivesse descoberto limites ao seu
poder.”(p. 323)
SARAMAGO,
José. O evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das Letras,
2005.