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“Olhava
as pessoas lá fora; pareciam felizes, reunindo-se no meio da rua, gritando, rindo
discutindo por nada. Mas não conseguia saborear, não conseguia sentir. Na
confeitaria, entre as mesas e os garçons falantes vinha-lhe o medo terrível –
não conseguia sentir. Conseguia raciocinar; conseguia ler, Dante por exemplo,
com toda a facilidade (‘Septimus, deixe o livro’, dizia Rezia, fechando
delicadamente o Inferno), conseguia
somar a conta; o cérebro estava perfeito; então devia ser culpa do mundo – que não
conseguisse sentir.
(...)
Ao chá Rezia lhe contou que a filha de Mrs. Filmer estava esperando
um bebê. Ela não podia envelhecer sem
ter filhos! Estava muito solitária, estava muito infeliz! Chorou pela primeira
vez desde que se casaram. À distância ele ouviu seus soluços; ouviu
precisamente, percebeu distintamente; comparou ao som de um pistão. Mas não
sentou nada.
Sua esposa estava chorando, e ele não sentia nada; apenas a
cada vez que ela soluçava dessa profunda, dessa silenciosa, dessa desesperada
maneira, ele descia mais um degrau do poço.
Por fim, num gesto melodramático que adotou mecanicamente e
com plena consciência de sua insinceridade, deixou cair a cabeça sobre as mãos.
Agora tinha se rendido; agora outros deviam ajuda-lo. Ele cedeu.” (p. 103, 105
e 106)
WOOLF,
Virginia. Mrs. Dalloway. Porto Alegre, RS: L&PM, 2012.
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Síndrome de Irlen
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