Saí de
manhã com a certeza de que não queria argumentar, só correr. Era
já meu eu antecipando a eloquência que seria exigida em seguida.
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Enxugo
meu olhos vagarosamente, como se cuidasse de mim. Penso no ataque da
barata do dia anterior, sem demonstrar reação. No espelho, tudo
parece sereno e perdido. Olho para o alto, para o teto, mero costume.
E ali está a esperança – verde, parada, esperando. O calor é
tão úmido que fica difícil pensar; seria possível fazer um anjo
de calor, se deitasse na cama e agitasse meus braços e pés. Isso
pode até parecer melancolia, mas, pelo contrário, é poesia.
Coloco o
sapato sem saber de que pé é, sinto logo um desconforto, corrijo. É
preciso coragem para correr num dia tão escaldante. Quem sabe será
o dia mais quente deste ano que vai terminando? Prévia do verão
infernal, como se não bastasse a vida e seus desafios – nossos
defeitos, nossa resistência ao que nos faz bem. Deixo calar por
hora, a corrida será um teste e tanto para o humor.