VERCHININ
(passeando pela sala)
Muitas
vezes penso: e se recomeçássemos a vida, desta vez conscientemente?
Se vivêssemos uma vida como quem faz um rascunho, e pudéssemos
vivê-la de novo passada a limpo? Então cada um de nós teria
sobretudo tentado não se repetir e tentado criar condições de vida
diferentes, uma casa florida, como esta, cheia de claridade...Tenho
mulher, duas filhinhas...Mas minha mulher não tem saúde, etc etc
etc...Então, se eu recomeçasse minha vida, não me casaria nunca.
Nunca! (Entra Kulyguin com seu uniforme de professor de liceu).
(pág.33)
ANDREI
Em
Moscou, sentamo-nos em uma imensa sala de restaurante, sem
conhecermos ninguém, sem que ninguém nos conheça, e, no entanto,
não nos sentimos deslocados. Aqui, conhecemos todo mundo, todo mundo
nos conhece e, no entanto, nos sentimos estrangeiros. Estrangeiros e
solitários. (págs.53 e 54)
MACHA
Parece-me
que todo homem deve ter uma fé, ou deve procurar uma fé, sem a qual
sua vida torna-se vazia, vazia...Viver sem saber por que voam as
cegonhas, por que nascem as crianças, por que há estrelas no
céu...Não! Ou sabemos por que se vive, ou tudo não passará de
ninharias atiradas ao léu...(pág.65)
TUSENBACH
Pois é
isto...(Levanta-se) Sei que não sou belo, que não fui feito para
ser militar. Enfim, as coisas são como são...Trabalharei. Se eu
pudesse, uma única vez na vida., trabalhar por um dia a ponto de
chegar em casa, à noite, arrasado de cansaço, cansaço de me atirar
na cama e me fazer dormir imediatamente...(Dirige-se para a sala) Os
operários devem dormir profundamente. (pág.66)
TCHEBUTYKIN
(sinistro)
Que o
diabo os leve a todos. Acreditam que sou um médico, que sei curar
toda espécies de doenças, mas eu sei que esqueci tudo quanto sabia,
que não me lembro de nada...de nada, de nada. (Olga e Natasha saem,
sem que ele perceba) O diabo que os carregue. Quarta-feira passada,
atendi a uma mulher, que morreu, e foi por minha culpa que morreu.
Sim, culpa minha. Há vinte e cinco anos eu ainda sabia algumas
coisinhas...Agora, não me lembro de nada. De nada. É bem possível
que eu nem seja mesmo um homem, que eu apenas aparente ter pernas,
braços e uma cabeça. Bem possível que eu não exita e somente
imagine que ando, como e durmo. (Chora) Ah! Se, ao menos, pudéssemos
não existir!...(Deixa de chorar e toma um ar sinistro) Que diabo!
Antontem, conversava-se no clube sobre Shakespeare, Voltaire...Jamais
os li, mas fiz um ar de ter lido. E todos os outros eram como eu. Que
vulgaridade! Que baixeza! Revi a mulher que deixei morrer,
quarta-feira. Revi...sim, revi tudo. E senti meu coração doer,
pesado de nojo e de imundície...Então, corri a embriagar-me.
(Entram Irina, Verchinin e Tusenbach, este à paisana, com uma roupa
nova e na moda) (págs. 96 e 97)
VERCHININ
Bem...(Rindo)
Quando pensamos em certas coisas, vemos o quanto tudo aqui é
estranho. (Pausa) Logo que o incêndio começou, corri para minha
casa. Chego e vejo que o prédio nada sofreu, que não está
ameaçado. Mas encontro minhas filhas à porta, de camisola, e sua
mãe não está lá. Em torno delas há pessoas que se
agitam...cavalos, cães que correm, e no rosto das meninas havia uma
tal expressão de inquietação, de terror, de súplica, de não sei
o quê...Quando vi seus rostos, meu coração se confrangeu. Meu
Deus, disse a mim mesmo, o que essas crianças terão de viver ainda,
no decorrer de uma longa vida! Tomei-as nos braços, corri com
elas...corri com elas, pensando apenas uma coisa: no que elas terão
ainda a viver neste mundo infame. (Ouve-se o sino e logo em seguida
há um momento de silêncio) Quando aqui cheguei, encontrei a mãe
delas gritando, vituperando.(Macha entra, com seu travesseiro, e
senta-se no divã) Vendo minhas filhas de camisola no degrau da
porta, e a rua vermelha de incêndio, e o ruído terrível, pensei
que isso deveria assemelhar-se ao que se passava, há muitos anos,
quando o inimigo irrompia subitamente e pilhava e incendiava. No
entanto, que difenreça entre o que foi e o que é! O tempo
continuará a passar...apenas duzentos ou trezentos anos...e nossa
vida atual parecerá então espantosa e dela rirão...e tudo quanto é
o nosso presente será olhado como desastroso, pesado, muito incômodo
e estranho. Ah! Que vida vai ser, que vida! (Ri) Perdão, estou
filosofando. Permitam-me continuar. Sinto uma necessidade imensa de
filosofar, estou em clima de filosofar. (Silêncio) Dir-se-ia que a
humanidade toda dorme. E pensava: que vida será essa...a que vai
vir...? Reflitam, porém: mulheres como vocês há apenas três nesta
cidade. Mas, nas próximas gerações, haverá outras, e outras, e
muitas outras...E há de chegar o tempo em que tudo estará mudado,
no sentido que vocês têm das coisas...Um tempo em que se viverá
como vocês vivem...Até que, mais tarde, vocês serão também
ultrapassadas, porque nascerão seres muito melhores...(Ri) Estou
hoje em um estranho estado de espírito...Sinto uma diabólica
vontade de rir...(Canta) 'Tout âge a ses amours pour maître...Leurs
feux nous font toujour renître...'* (Ri) (pág.102)
*
'Qualquer idade tem por mestre seus amores....Sempre nos fazem
renascer seus ardores...' Trecho de uma ária da ópera Eugênio
Oneguin, de Tchaikóvski.
TUSENBACH
(com um gesto de impaciência)
Daqui a
uma hora estarei de volta e de novo contigo. (Beija a mão) Minha bem
amada...(Olha-a atentamente) Há cinco anos eu te amo e não consigo
habituar-me...Sempre me pareces cada vez mais bela! Estess adoráveis
e maravilhosos cabelos! Estes olhos! Amanhã eu te levarei daqui.
Vamos trabalahr, seremos cumulados de alegrias, meu sonhos se
tornarão realdade. E tu serás feliz. Há apenas uma coisa, uma
simples coisa: não me amas. (pág.135)
ANDREI
Oh! Para
onde partiste, meu passado? Onde estás? E era jovem, inteligente,
sonhava, pensava belas coisas, presente e futuro iluminavam-se de
esperanças...Por que, mal começamos a viver, eis-nos mortos,
fracos, chatos, preguiçosos, indiferentes, inúteis,
desgraçados?...Nossa cidade existe há duzentos anos, tem cem mil
habitantes e não há nenhum entre nós que não seja semelhante a
todos...Nem mesmo um herói, no passado ou no presente. Nem mesmo um
sábio...Nem ao menos um pintor...Nem sequer um só homem notável em
qualquer coisa sque excite a inveja ou o desejo apaixonado de
imitá-lo. Nada se faz, além de comer e beber, dormir e depois
morrer...Outros nascem e, também esses, comem, bebem e dormem e,
para que o tédio não os embruteça definitivamente, põem
variedades em suas vidas, como mexericos, infames, vodka, jogo,
chicanas...e as mulheres enganam os maridos, os maridos mentem e
fingem que nada percebem, e essa influência irresistívelmente
vulgar pesa sobre as crianças, sufoca a centelha divina que vivia
dentro delas...e elas se tornam cadáveres, tão miseráveis como
seus pais e suas mães...(A Feraponte, com mau humor) Que queres
comigo? (pág.138)
TCHEKHOV, Anton. As Três Irmãs. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
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Eu já
falei pra Dé, nessa vida trocamos o que já aprendemos, ela me
ensina a ser mais amorosa e eu ensino ela a ser mais responsável.